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"A Escola Pública e a Liberdade de Escolha"

Na semana passada (5/09/2013), com as alterações aprovadas em Conselho de Ministros do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, sorrateiramente e sem qualquer discussão, foi dado mais um passo para destruir a Escola Pública em Portugal, isto é, por fim a essa ideia de se ter uma ... escola pública de qualidade, universal, laica, gratuita e tolerante que promova a equidade e igualdade de oportunidades para todos.

O que foi aprovado consiste, genericamente, no financiamento direto do Estado às famílias que optem por escolas particulares em vez de escolas públicas. Ou seja, permitirá, em tese, que as famílias tenham liberdade de escolha entre o sistema público ou privado disponível, colocando em livre concorrência ambos os sistemas de ensino. 

Acredito que muitos olharão para esta medida com alguma simpatia e condescendência visto que o princípio da liberdade de escolha parece ser, em si mesmo, algo de positivo. Convém, por isso, analisar em maior detalhe o que nos é apresentado e perceber os pressupostos, as experiências, os estudos e as consequências do que se pretende implementar. Façamo-lo em 3 pontos: 

1. Um dos pressupostos principais que está por detrás desta medida é considerar que a Liberdade Escolha, assim concretizada, beneficia a qualidade do sistema educativo em geral. No entanto, não há nenhuma evidência disso nos países que experimentaram estas medidas. Pelo contrário, como é reconhecido por um dos maiores defensores deste princípio da liberdade de escolha, Alexandre Homem Cristo: “as análises dos vários sistemas dão sinais inquietantes quanto ao aumento da segregação social nas escolas (associada à liberdade de escolha da escola), quanto à dificuldade em promover a inovação nas abordagens pedagógicas em sistemas com elevados níveis de competitividade e, em alguns países, quanto à queda dos desempenhos escolares”, como é exemplo o caso flagrante da Suécia.

2. Um dos argumentos usado para defender o princípio da liberdade de escolha é que este promove uma maior justiça social entre todos e que é um direito dos pais escolherem a escola ou o sistema de ensino que acham mais adequado para os seus filhos. Apesar do argumento ser atraente ele é falacioso, note-se que a liberdade de escolha que se pretende dar serve apenas para alguns tipos de escolas. Certamente que os melhores exemplos do ensino privado ficarão, por opção dos próprios colégios, fora do âmbito desta liberdade de escolha. Sim, porque estes colégios são bons, fundamentalmente, porque fazem uma seleção de alunos que não lhes interessa prescindir, até por que não têm problemas em termos de procura. Portanto, a liberdade de escolha que este governo pretende oferecer é dirigida apenas para as escolas tipo grupo GPS e similares, que fazem ou pretendem fazer negócio à custa do estado. Além disso, convém que se perceba que esta suposta liberdade de escolha ficará sempre restrita às opções nas áreas de residência, ao número de vagas disponíveis, criando, como os estudos nos outros países têm revelado, escolas públicas “guetizadas” e empobrecidas nos centros urbanos constituídas em grande parte por alunos problemáticos rejeitados pelas escolas privadas, aumentando assim o fosso das desigualdades sociais. 

3. Um outro argumento usado para a defesa da liberdade de escolha, assim concretizada, é a convicção de que haverá uma melhor racionalização dos recursos e gestão dos dinheiros públicos. Não tenhamos dúvidas que, a longo prazo, tal poderá se verificar, pois, analisando o que hoje já acontece nas escolas privadas que vivem à custa dos dinheiros públicos podemos verificar que, segundo dados oficiais que comparam o ensino público e o ensino privado subsidiado, as turmas têm um maior número de alunos, os professores têm condições muito mais precárias, as ofertas formativas e apoio aos alunos com necessidades educativas são muito mais reduzidas. Por outro lado, a curto e médio prazo, esta opção será demolidora para a escola pública, visto que, não havendo mais dinheiro disponível, o dinheiro a transferir para as escolas privadas através deste sistema de subsidiação será retirado ao orçamento das escolas públicas, ou seja, provocará necessariamente um empobrecimento e uma diminuição brutal da qualidade da escola pública, por via, por exemplo, do despedimento de professores, da ausência de investimentos ou requalificações nas escolas, do aumento do nº de alunos por turma, da diminuição de funcionários e auxiliares educativos, da redução das ofertas formativas e do fecho de um maior número de escolas. Ou seja, esta suposta liberdade de escolha que nos querem agora oferecer terá o efeito pernicioso de, à custa dela, se por em causa a igualdade de oportunidades e a qualidade de ensino para todos. O objetivo não é uma melhor gestão dos dinheiros públicos, mas sim uma transferência dos dinheiros públicas para as mãos privadas de forma a se poder salvar muitos colégios que, com esta crise, veem a sua fonte de lucros em perigo.

Em síntese, o que este governo se prepara para finalmente concretizar é não só fruto de um dogma ideológico de que o sistema privado pode fazer melhor e mais barato do que o sistema público, mas também do cumprimento de promessas eleitorais a um grupo de potenciais interessados neste negócio, que se regozija com a assunção da incapacidade e falta de desejo deste governo em continuar a reformar e a melhorar a escola pública em prol da equidade e da igualdade de oportunidades para todos.


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